
Acampamento Terra Livre 2024, em Brasília (DF): povo Pataxó relembra a liderança Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe, assassinada em janeiro de 2024 por fazendeiros. Crédito da foto: Tiago Miotto/Cimi.
Lançado hoje, 28, o relatório anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) relativo a 2024 expõe um ano de retrocessos e violência contra os povos originários no Brasil. Com a Lei 14.701/2023 – o “marco temporal” – em vigor durante todo o ano, os direitos territoriais indígenas enfrentaram ataques sistemáticos, invasões e um cenário de insegurança jurídica. O documento registra 211 assassinatos, 208 suicídios e 922 mortes de crianças indígenas menores de cinco anos, muitas por causas evitáveis como desnutrição e doenças respiratórias. A combinação entre omissão estatal, conflitos agrários e crise climática aprofundou a vulnerabilidade de comunidades em todas as regiões do país.
Direitos fragilizados
A vigência do marco temporal paralisou demarcações e incentivou invasões em terras indígenas, mesmo as já regularizadas. Dados do Cimi mostram 1.241 casos de violações patrimoniais, incluindo 857 terras com processos de demarcação paralisados e 230 áreas invadidas por grileiros, madeireiros e garimpeiros. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) admitiu, via Lei de Acesso à Informação, que a lei aumentou a morosidade e criou obstáculos “inexequíveis” para a regularização de territórios. Enquanto isso, operações de desintrusão em áreas críticas como a Terra Indígena Yanomami não impediram a persistência de invasores.
Violência letal
Roraima, Amazonas e Mato Grosso do Sul lideraram o ranking de assassinatos, com casos marcantes como o da liderança Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe, morta a tiros por fazendeiros na Bahia em janeiro. Comunidades em retomada sofreram ao menos 30 ataques armados, deixando dez indígenas com projéteis alojados no corpo. A Polícia Militar foi acusada de participação direta em operações violentas, como a que matou Neri Ramos da Silva, Guarani Kaiowá, em Mato Grosso do Sul. O racismo institucional se manifestou na recusa de atendimento médico e na precariedade de infraestrutura básica, agravada por enchentes no Sul e secas no Norte.
Crise sanitária
A omissão do poder público aparece em números chocantes: 84 mortes por desassistência à saúde, 87 casos de falta de acesso à educação e 43 crianças mortas por desnutrição. Indígenas Warao, refugiados venezuelanos, enfrentaram condições degradantes em abrigos sem água ou saneamento. A contaminação por mercúrio de garimpos ilegais e agrotóxicos ampliou os riscos à saúde, enquanto o desmonte de políticas de proteção deixou 37 registros de povos isolados sem qualquer amparo estatal.
Memória e resistência
O relatório homenageia a luta por justiça de lideranças como Marcelo Zelic, falecido em 2023, e destaca a plataforma Caci, que mapeia 1.525 assassinatos de indígenas desde 1985. Apesar do cenário desolador, comunidades seguem resistindo – como os Avá-Guarani no Paraná e os Kaiowá em Mato Grosso do Sul, que enfrentaram ataques contínuos em defesa de seus territórios. O documento conclui com um alerta: sem a revogação do marco temporal e uma atuação estatal efetiva, a violência tende a se intensificar em 2025.
Acesso ao relatório:
Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2024
Mapa Caci (Cartografia de Ataques Contra Indígenas)