
Foto Crédito: Martha Dominguez de Gouveia/Unsplash
Em menos de dois meses de seu segundo mandato, o governo do presidente dos EUA, Donald Trump, desencadeou uma crise global em saúde pública ao cortar bilhões em financiamento para ajuda humanitária. A decisão, que incluiu o desmantelamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e a suspensão de verbas para organizações como a Organização Mundial da Saúde (OMS), já causa colapso em programas de combate à tuberculose, HIV/Aids, desnutrição infantil e migração, com impactos que podem durar décadas. Internamente, o departamento de saúde norte-americano planeja demitir 10 mil funcionários, disse Robert F. Kennedy Jr., secretário de saúde, como parte de uma grande reorganização, com sérias consequências para a população do país.
O fim da USAID e o caos na saúde global
No dia 20 de janeiro de 2025, Trump assinou uma ordem executiva suspendendo todos os programas de assistência internacional. Em semanas, a USAID — que gerenciava US$ 7 bilhões anuais em projetos de saúde — teve seus contratos cancelados, funcionários demitidos e sede fechada. O bilionário Elon Musk, encarregado do “Departamento de Eficiência Governamental”, declarou estar “passando a USAID no triturador”.
O resultado foi imediato: países com alta carga de tuberculose (TB) suspenderam diagnósticos e tratamentos. No Camboja, milhares deixaram de receber medicamentos preventivos; no Paquistão, exames foram interrompidos em 27 distritos. Lucica Ditiu, diretora da Parceria Stop TB, alertou ao The Lancet Respiratory Medicine que “pessoas podem morrer porque os sistemas de tratamento entraram em colapso”. O risco de tuberculose resistente a drogas — que ameaça até os EUA — disparou, já que pacientes interrompem terapias ou usam remédios falsificados.
HIV/Aids e migração: “Voltaremos aos anos 90”
O Unaids, programa da ONU para HIV/Aids, prevê 8,7 milhões de novas infecções e 6,3 milhões de mortes até 2029 se os cortes persistirem. Winnie Byanyima, diretora-executiva, comparou o cenário à crise dos anos 1990, quando a falta de antirretrovirais levou a mortes em massa. No leste e sul da África — onde 53% dos casos globais estão concentrados — clínicas fecharam e agentes de saúde foram demitidos.
Já a Organização Internacional para Migrações (OIM) demitirá 20% de seu quadro em Genebra, afetando comunidades vulneráveis em regiões como a República Democrática do Congo, onde refugiados fogem do conflito com o grupo M23. “O modelo de doações sustenta vidas. Quando ele some, os mais pobres pagam o preço”, disse um porta-voz à ONU News.
Desnutrição infantil: 369 mil mortes evitáveis
Um relatório do consórcio Standing Together for Nutrition, citado pela Science, estima que 2,3 milhões de crianças com desnutrição grave perderão tratamento devido aos cortes, levando a 369 mil mortes anuais. Quase metade dessas perdas está ligada ao fim dos programas da USAID, como no Nepal, onde mães são “mandadas embora de mãos vazias” de centros de saúde, segundo Pooja Pandey Rana, da ONG Helen Keller Intl.
Edward Frongillo, especialista em nutrição da Universidade da Carolina do Sul, ressalta que “o investimento em crianças é construir capital humano futuro”. Mas com EUA, Reino Unido e França reduzindo ajuda externa, países como a Nigéria — que anunciou US$ 200 milhões para cobrir parte do vácuo — tentam evitar um desastre maior.
Um futuro sombrio
Enquanto a comunidade internacional pressiona por reversões, o governo Trump mantém sua postura. Em março, o Secretário de Estado Marco Rubio confirmou o cancelamento de 83% dos programas da USAID. Para The Lancet Public Health, os primeiros 50 dias de Trump 2.0 representam “um desastre para a saúde pública global”, com retrocessos que podem levar anos para serem reparados.
Fontes: The Lancet Public Health, The Lancet Respiratory Medicine, ONU News, Science, relatórios da Stop TB Partnership e Standing Together for Nutrition.

Escritor e jornalista formado pela Universidade de São Paulo, com passagem pelo Diário Comércio e Indústria, pela Revista dos Tribunais, pela Editora Abril e diversos outros órgãos de imprensa, com especialização em extensão rural e jornalismo científico.