
Foto Crédito: Mahmoud Sulaiman/Unsplash.
Quando a avó síria testemunhou os horrores do massacre de Hama em 1982, ela carregava no ventre não apenas sua filha, mas um legado silencioso que a ciência agora começa a decifrar. Quarenta anos depois, um estudo revolucionário publicado na renomada Scientific Reports revela que os traumas da guerra síria deixaram marcas químicas no DNA de refugiados — e que essas assinaturas biológicas persistiram em seus filhos e netos, mesmo quando essas gerações nunca pisaram em um campo de batalha.
A pesquisa, conduzida por um time internacional de cientistas, acompanhou 48 famílias sírias refugiadas na Jordânia. Os resultados são tão surpreendentes quanto inquietantes: mulheres que vivenciaram violência extrema durante a gravidez transmitiram alterações epigenéticas específicas a seus descendentes. Essas marcas, detectadas em amostras de células da bochecha, funcionam como interruptores que podem ligar ou desligar genes sem alterar o código genético em si.
O caso mais emblemático envolve uma avó que sobreviveu ao cerco de Hama. Quando os tanques do regime arrasaram bairros inteiros, ela estava grávida. Anos depois, análises do DNA de sua filha e neta — nascidas longe da guerra — revelaram os mesmos padrões de metilação encontrados na sobrevivente. “É como se o corpo guardasse uma memória biológica do trauma”, explica a bióloga Rana Dajani, coautora do estudo.
Mas como essas marcas sobrevivem à complexa “limpeza” química que ocorre quando óvulos e espermatozoides se formam? Ainda não há respostas definitivas, mas os cientistas identificaram 14 regiões do DNA onde as alterações persistiram contra todas as probabilidades. Em paralelo, crianças expostas ao estresse da guerra ainda no útero apresentaram outro sinal preocupante: seus relógios epigenéticos — marcadores de envelhecimento celular — adiantaram-se precocemente.
Os pesquisadores são cautelosos. “Não estamos dizendo que traumas causam mutações genéticas”, ressalta a neurocientista Rachel Yehuda, especialista não envolvida no estudo. “Mas essas marcas podem ser a peça que faltava para entender por que filhos de refugiados muitas vezes desenvolvem problemas de saúde anos depois.”
As implicações vão além da ciência. Com 108 milhões de deslocados à força no mundo em 2022, o estudo lança uma pergunta urgente: como romper ciclos de trauma que se infiltram nas moléculas? Para as famílias sírias, os resultados trazem um misto de validação e preocupação. “Minha mãe sempre dizia que a guerra a seguia como uma sombra”, compartilha uma participante anônima. “Agora entendo que ela falava literalmente.”
Enquanto a equipe se prepara para estudar refugiados palestinos, uma coisa já está clara: as guerras não terminam quando cessam os tiros. Elas ecoam, silenciosamente, nas células das gerações futuras.
Leia a íntegra deste estudo e descubra:
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